A escravidão no Brasil: do ciclo do café à abolição 05/05/2016 - 13:10

O Ciclo do Café

Na segunda década do século 18, em 1727, o café chegou ao Brasil por meio do sargento-mor Francisco de Melo Palheta (1670 – 1750). As primeiras sementes eram originárias da Guiana Francesa. No início o café era plantado nos morros das regiões próximas da cidade do Rio de Janeiro. Após a experiência do plantio, naquele local, expandiu-se até o Vale do Paraíba onde havia condições mais favoráveis para o seu desenvolvimento. A partir desta região, o plantio do café se estendeu até São Paulo, no oeste paulista, Minas Gerais e Espírito Santo.

Utilizada em grande escala, durante um longo período, a mão de obra escrava era comprada, pelos cafeicultores, por meio do tráfico negreiro, ou adquirida no comércio interno, no qual os escravizados eram originários de engenhos e fazendas em processo decadente no Nordeste após o período do Ciclo do Açúcar.

A rotina dos escravizados, nos cafezais, era limpar o terreno, plantar e colher. Após a colheita, o café era exposto ao Sol, Num segundo momento, quando os grãos já se encontravam secos, eram batidos com vara ou moídos em pilões. Ensacado, o café era levado em mulas que eram conduzidas, por escravizados, até os portos de embarque.

O fim do tráfico negreiro

A partir da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, no século 18, ocorreram mudanças nas relações de trabalho e produção, surgindo uma classe trabalhadora – os proletários – que passará a ser explorada, inclusive, com a cooptação da força de trabalho de mulheres e crianças por uma burguesia industrial, representada pelos donos das fábricas. Esta classe burguesa possuía o poder econômico, por que detinha os meios de produção. Os donos do capital necessitavam de mercado para escoarem a sua produção e vendê-la. Dentro da lógica de uma economia de consumo, o escravizado estava descartado, pois, como propriedade do seu senhor, não recebia pelo seu trabalho; logo não tinha poder de compra.

È nesse momento, que, embora a Inglaterra tenha sido líder do tráfico negreiro, em virtude da nova ordem econômica, ela passou a combatê-lo, pois acreditava que o escravizado liberto poderia aumentar o seu mercado consumidor. Outro fator importante, que levou o governo inglês a combate o tráfico, foi a necessidade de mão de obra em suas colônias na África, visando à produção de matéria prima indispensável no processo industrial. Assim, encerrar o tráfico negreiro por meio da criação de leis, proibindo a sua prática, passou a ser o foco de interesse dos ingleses. Após a nossa independência, em 1822, uma das exigências do governo inglês, para reconhecer o Brasil como uma nação livre, era a suspensão do tráfico negreiro em nosso território. Naquele momento, não se cumpriu o acordo, porém as pressões foram se tornando cada vez mais intensas até a sua extinção.

A Inglaterra, visando a cessar o tráfico tomou uma série de medidas como a Lei de 1831 que, por falta de eficácia, ficou conhecida como a lei “para inglês ver”. A mesma não impediu a entrada clandestina de escravizados, em comum acordo com o Poder judiciário, que também lucrava a falsificar registros documentais, conforme registrou o jornal impresso, em Rio Grande, na Província de São Pedro, “O Noticiador”. Este periódico circulou, no período de 1832 a 1836, sob a responsabilidade de Francisco Xavier Ferreira, o “Chico da Botica” e foi o primeiro, na província gaúcha, a combater e denunciar o tráfico de escravizados. O Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, instituição gaúcha voltada à preservação, à difusão e à pesquisa dos meios de comunicação do estado, tem sob a sua guarda, entre outros títulos, uma grande parte de exemplares deste importante periódico que marcou época na história da nossa imprensa.

Em 1845, O Parlamento Britânico aprovou a “Lei Bill Aberdeen” que determinava o aprisionamento dos tumbeiros (navios negreiros), pela Marinha de Guerra Inglesa, e julgamento por um tribunal britânico. O fato repercutiu no Brasil, dando origem à Lei Eusébio de Queirós que foi assinada no dia 04 de setembro de 1850. Esta determinava a extinção do tráfico de escravizados para o Brasil e severa punição aos transgressores. Isto não impediu a entrada clandestina de milhares de escravizados. Após esta lei, na realidade, ocorreu um aumento do comércio interno, embora menos lucrativo devido às altas taxas cobradas no processo de transferência de escravizados de uma província para outra. O resultado desta lei foi o aumento do valor monetário do escravizado devido à diminuição da oferta no mercado.

Aos poucos os movimentos abolicionistas foram crescendo e conquistando adeptos nas principais capitais do império e começaram a ocorrer fugas em massa das lavouras cafeeiras.

O Brasil, no período de 1865 a 1870, esteve envolvido no maior conflito bélico na América do Sul que foi a Guerra do Paraguai. Visando a aumentar o contigente de soldados, o Império passou a incentivar os proprietários de escravizados, para que os enviassem para lutar. Durante o conflito bélico, Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para combater o líder paraguaio Francisco Solano Lopez (1827-1870). Ao final da guerra, o Paraguai estava totalmente destruído e sua população dizimada. Encerrado o conflito, a convivência dos brasileiros com os exércitos platinos, de mentalidade republicana e não escravista, alterou sua postura em relação à escravidão. A partir de então, oficiais de alta patente passaram a fazer pronunciamentos, condenando a escravidão e determinando o término de sua participação, como “capitães- do- mato”, em busca de escravizados fugitivos. Atitudes de militares à época, como os de Sena Madureira e Cunha Mattos, apoiando o movimento abolicionista ou denunciando irregularidades dentro do próprio Exército, por meio da imprensa, geraram represálias por parte do governo imperial, dando origem à chamada “Questão Militar” que contribuirá bastante para a queda da monarquia.

Neste contexto havia também a forte pressão da política internacional quanto à extinção da escravidão, pois, em 1870, o Brasil era o único país das Américas a mantê-la. De acordo com a frase constantemente reproduzida em artigos, porém sem o registro da autoria: “O Brasil era uma flor exótica nas Américas…”

O movimento em prol da Abolição

A partir de 1870, parte da classe média, militares e até alguns fazendeiros do Oeste paulista, começaram a defender o término do sistema escravocrata no Brasil. A luta foi se consolidando devido aos pronunciamentos dos militares, que participaram da Guerra do Paraguai (1865-1870), às mobilizações da população e a imprensa da época, a exemplo da importante Revista Ilustrada (1876- 1898). Este periódico carioca, graças às ilustrações de Ângelo Agostini (1843-1910), era denominado de “Bíblia de Pedra” numa deferência às litogravuras presentes em suas páginas. Estas ilustrações possibilitavam uma reflexão, gerando um olhar crítico, acerca do momento político, de uma grande parcela de analfabetos que compreendiam a mensagem de cunho político-social presente nas charges de Agostini. Não podemos nos esquecer de que após a Independência do Brasil (1822) éramos uma população composta por 90 % de analfabetos. Este dado torna ainda maior a importância da gravura, naquela época, em função de sua representação simbólica que era decifrável por esta grande parcela de analfabetos que não dominava a linguagem escrita dentro daquele contexto histórico.

A Lei do Ventre Livre


Diante das articulações que se estabeleciam em prol da abolição, o Império assinou, em 28 setembro de 1871, a Lei Rio Branco ou “Lei do Ventre Livre” que concedia liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. As crianças deveriam ser sustentadas pelos proprietários de suas mães até atingirem oito anos de idade. Após deveriam prestar serviços gratuitos, até os 21 anos, para então tornarem-se livres. Na realidade essas medidas beneficiavam mais ao proprietário em detrimento do próprio escravizado.

A campanha, em prol da República, teve no escol do ideário positivista, inspirado em Auguste Comte (1798-1857) nos líderes militares, a exemplo de Benjamin Constant (1836-1891), e na campanha abolicionista seus principais pilares.

No ano de 1880, criou-se, no Rio de Janeiro, a “Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. Nomes como os de José do Patrocínio (1854- 1905) Joaquim Nabuco (1849-1910), Luis Gama (1830-1882), entre outros, destacavam-se por sua oratória e atuação. Agremiações emancipadoras e abolicionistas foram surgindo em várias províncias do Brasil, a exemplo da Sociedade Partenon Literário que foi fundada na Província de São Pedro (RS), em 1868, sendo uma das pioneiras no Brasil. Esta teve à sua frente os intelectuais Apolinário Porto Alegre (1844-1904) e Caldre Fião (1824- 1876). O segundo é autor da “Divina Pastora”, considerado o primeiro romance escrito no Rio Grande do Sul em 1847. Entre as sociedades e clubes abolicionistas, importante que se destaque também a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora. Fundada na província gaúcha, em 1872, por negros alforriados, é considerada a mais antiga do Brasil, ainda, em atividade, de acordo com a historiadora Marisa S. Nonnenmacher em seu livro “Tudo Começou em uma Madrugada”, lançado, em 2015, pela editora Medianiz em Porto Alegre.

Em algumas regiões do Norte e Nordeste do Brasil o movimento contra a escravidão foi aumentando com acentuada participação popular. No ano de 1884, o Ceará libertou os seus escravos. Nesta Província, ocorreu um movimento de jangadeiros que se negaram a transportar para os navios os escravos vendidos para as províncias da Região Sudeste. Em 1880, abolicionistas locais fundaram a Sociedade Libertadora Cearense com 225 sócios, cujo presidente provisório foi o Sr. João Cordeiro. Visando a divulgar seus ideais, no ano de 1881, foi criado o Jornal “O Libertador”.

O Rio Grande do Sul foi um dos pioneiros

Na província gaúcha a situação era de crise, pois o charque sofria enorme concorrência do produto platino, resultando numa redução do lucro das nossas charqueadas. O fato fez com que os proprietários emancipassem ou vendessem seus escravos para os cafeicultores do eixo Rio-São Paulo.

O movimento republicano no Rio Grande do Sul incorporou, em seu programa, a luta em prol da liberdade dos escravizados, pois entendia que a abolição seria o “tiro de misericórdia” no coração do Império. Na capital gaúcha, discursos inflamados na Câmara dos Vereadores, no Teatro São Pedro, na Sociedade Partenon Literário denunciavam a degradação que representava a escravidão para a sociedade.

Durante a campanha abolicionista, na capital gaúcha, destacaram-se os jornais: “A Federação“ (1884-1937) “A Reforma” (1869-1912), “O Mercantil” (1874-1897) “ O Século” (1880-1893) e o “Jornal do Comércio” (1865-1911). embora as divergências quanto ao posicionamento político sobre o tema, a exemplo do jornal “A Federação“ que defendia uma abolição sumária e sem indenização aos proprietários, indo de encontro à morosidade das leis que apenas adiavam o desfecho da campanha abolicionista.

Em agosto de 1884, intelectuais gaúchos promoveram a “Semana da Libertação“, ocorrendo a liberdade de centenas de escravizados que se reuniram no Campo do Bom Fim, passando o local a chamar-se Campo da Redenção dos Escravos. Em 07 de setembro – data alusiva à Independência do Brasil – a Câmara de Vereadores de Porto Alegre declarou extinta a escravidão na capital. Foi uma festa a partir da Rua da Praia, partindo da Livraria Americana o cortejo. Muitos proprietários ganharam títulos nobiliárquicos devido ao seu ato “generoso”. O lado irônico é que muitos negros após as comemorações, retornaram aos proprietários para cumprir uma cláusula de três a cinco anos de trabalho gratuito como forma de indenização. O fato é que isto agravou a situação do negro pós – abolição, aumentando a sua condição de miserabilidade e de exclusão numa sociedade capitalista e competitiva na qual ele não se encontrava preparado para atuar, restando o subemprego, a pobreza e o estigma da escravidão.

Na visão dos republicanos, a escravidão era a causa do atraso do progresso da Nação e um arcaico sustentáculo do sistema monárquico. Combatê-la era eliminar a velha ordem que governara o país por 67 anos.

A Lei dos Sexagenários

O crescimento em todo o Brasil da campanha abolicionista, a exemplo do Amazonas que também libertou os escravizados, em 1884, levou o Império a assinar em 28 de setembro de 1885, a Lei Saraiva – Cotegipe ou dos Sexagenários. Esta garantia a liberdade aos escravizados com mais de 65 anos de idade. Na verdade, grande parcela devido ao trabalho forçado e às péssimas condições a que eram expostos, não resistiam e morriam antes que completassem a idade proposta pela lei. Caso atingissem a faixa etária de 65 anos, a lei, na realidade, beneficiava o proprietário que deixava de alimentar e ter, em sua propriedade, um escravizado que já não dava um retorno produtivo como outro mais jovem e saudável. Na realidade, o negro idoso e doente ficava abandonado à sua própria sorte. Este caráter duvidoso da lei acirrou os ânimos já exaltados, acelerando o processo final da escravidão, que, há muito tempo, vinha sendo protelado.

No período de 1885 a 1888, os abolicionistas passaram a apoiar abertamente as rebeliões e fugas de escravos. A resistência ao cativeiro se dava também com o assassinato do senhor, com a prática do aborto, realizado pela própria mulher negra, entre outras formas de boicote e não aceitação da escravidão. Em São Paulo, havia um grupo, conhecido como caifazes, que escondia escravizados fugitivos, levando-os até o Quilombo de Jabaquara, localizado em Santos.

Os quilombos se espalhavam pelo país e o Exército não aceitava capturar escravizados que fugiam de seus senhores. Os republicanos não poupavam críticas à escravidão e havia também monarquistas que defendiam a abolição, porém eram contrários ao movimento republicano. 400 anos de escravidão estavam por terminar… Tratava-se de uma questão inadiável e a luta recrudescia.

No dia 03 de maio de 1888, a filha de dom Pedro II, a Princesa Isabel (1846-1921), fez uma declaração acerca da nova posição do governo:

“A extinção do elemento servil pelo influxo do sentimento nacional e das liberdades particulares em honra do Brasil, adiantou-se de tal modo que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admirável exemplo de abnegação por parte dos proprietários“.

A Lei Áurea


Após dez dias, deste pronunciamento, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel declarou o término da escravidão em nosso país. Ao assinar a Lei Áurea, estavam libertos cerca de 700 mil escravizados no Brasil. No ano seguinte, em 15 de novembro de 1889, por meio de um golpe militar, é proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil, pelo alagoano Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), e o imperador dom Pedro II (1825-1891) parte para o exílio, vindo a falecer na França. O café continuaria a ser um grande investimento, durante a República Velha (1889- 1930), sendo exportado e gerando riqueza para o país.

Os fazendeiros, principalmente de São Paulo, fizeram fortuna com o comércio do café. As mansões da Avenida Paulista são o símbolo de poder e riqueza desta elite cafeeira.

Grande parte dos lucros do café foi investido na indústria, principalmente no eixo Rio- São Paulo, favorecendo o crescimento deste setor. A cafeicultura motivou o início da imigração europeia, a instalação da malha ferroviária e o processo de industrialização da Região Sudeste no Brasil. Os produtores de café foram alvo de distinções sociais e estiveram presentes nos principais movimentos políticos e econômicos que precederam à Proclamação da República (1889).

Realizada a Abolição da Escravatura (1888), inicia-se um longo caminho marcado por dificuldades, lutas e enfrentamentos dos afrodescendentes, quanto ao preconceito racial, pois a liberdade conquistada, depois de séculos de escravidão, não veio acompanhada do direito à cidadania plena, pois não houve um projeto de inclusão social que contemplasse a imensa população de libertos que encontrou apenas a “porta da rua”.

Não ocorreu, infelizmente, por parte das autoridades, uma preocupação quanto a fixar as comunidades negras na terra e garantir os espaços nos quais já viviam. Após a assinatura da Lei Áurea, surgiu um movimento, que exigia indenização, por parte do governo, aos senhores que haviam perdido seus escravos. Na ocasião, o estadista Rui Barbosa (1849-1923) se pronunciou dizendo: “Se alguém deve ser indenizado, indenizem os escravos! ”

O racismo, que se constitui numa chaga presente na sociedade brasileira, apresenta-se, na maioria das vezes, maquilado por um discurso construído sob a égide de uma democracia racial, que não corresponde à realidade social do negro brasileiro. Basta que analisemos os dados estatísticos levantados por órgãos sérios, como o IBGE, quanto à presença do negro no mercado de trabalho, para que tenhamos consciência do longo caminho que vem sendo percorrido pelos afrodescendentes, para que possam ocupar espaços importantes no processo de construção de uma sociedade mais fraterna com menos desigualdades.

Não deixemos apagar da memória a luta de Zumbi e de tantos outros brasileiros de diversas etnias que foram também perseguidos e até perderam suas vidas na luta em prol de justiça social, desafiando interesses e privilégios de casta perpetuados desde o inicio do processo de colonização do Brasil.

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