Nota da sociedade civil sobre a Revisão Periódica Universal do Brasil na ONU 05/10/2017 - 17:02
As organizações da sociedade civil brasileira presentes no processo de Revisão Periódica Universal do Brasil nas Nações Unidas (ONU) manifestam sua posição sobre o processo e sobre os resultados. Esta é terceira avaliação da situação dos direitos humanos no Brasil. No dia 21 de setembro, durante a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o Estado brasileiro aceitou 242 e tomou nota de quatro, das 246 recomendações feitas por 103 países.
As organizações entendem que a aceitação das recomendações é uma demonstração da necessidade de avançar na realização dos direitos humanos no Brasil. Contudo, questionam sobre o real compromisso do governo brasileiro perante a ONU e à sociedade nacional com relação à implementação. Recomendações adotadas nos dois ciclos avaliativos anteriores ainda não foram efetivadas, dentre elas por exemplo as demarcações de terras indígenas Guarani e Kaiowá. Frente à crise política, o rompimento democrático e as graves medidas de austeridade econômica que atingem a toda a população e, particularmente, os mais pobres e vulneráveis torna-se inviável transformar os compromissos anunciados em ação.
As organizações manifestam profundo desacordo com a intervenção do Estado brasileiro na sessão do Conselho por não corresponder à realidade. O governo se recusa a reconhecer o cenário de graves violações de direitos humanos no Brasil e os inúmeros desafios para o futuro. Para a missão brasileira na ONU todos os retrocessos em direitos trabalhistas, as reduções nos gastos sociais e o ajuste fiscal não comprometem as políticas para a realização dos direitos humanos no Brasil. Para as organizações, tais reformas e cortes orçamentários aprofundarão as desigualdades e as violações.
O futuro anunciado pelo governo é de que 2018 será de retomada de um “ciclo virtuoso de crescimento”, porém é muito difícil de acreditar que as recomendações feitas no RPU tenham condições de efetivação se forem mantidas medidas como a Emenda Constitucional nº 95/2016, a realização da Reforma da Previdência e a proposta de orçamento público federal para 2018 que diminui drasticamente os recursos públicos para áreas fundamentais. O orçamento 2018 proposto pelo governo corta em áreas como o direito à cidade (moradia, saneamento, mobilidade), que terá 86% menos recursos que em 2017; a assistência social, que terá 98% a menos; a ciência e tecnologia, que terá 27% a menos; o meio ambiente, que terá 18% a menos; a promoção da igualdade racial, que terá 74% a menos e a garantia dos direitos das mulheres, que terá 34% a menos. E mais, mesmo com a possibilidade do Brasil voltar ao Mapa da Fome, há redução prevista para o Bolsa Família em 11%, e de 85% para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e para a implantação do Programa de cisternas no semiárido, projeto recém premiado na ONU. Aprofundando o quadro de violações dos direitos dos povos indígenas, em 2018 a Funai sofrerá um corte de mais de 90%, comparado a 2013.
Durante o período de consideração das recomendações pelo Estado brasileiro, entre maio e agosto, houve uma consulta pública online e foi realizada uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados com a presença do Ministério dos Direitos Humanos e do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, é incerto o quanto o governo brasileiro levou em consideração esses processos durante a tomada de decisão em relação às recomendações recebidas no âmbito da RPU e, apesar do compromisso feito pelo MDH, até o momento não foi divulgado o resultado da consulta pública. Infelizmente, o governo brasileiro também não divulgou publicamente a resposta enviada às Nações Unidas no dia do seu envio, cabendo somente à ONU a publicação em seu site, em inglês, da resposta enviada pelo Brasil, o que acabou por restringir o amplo acesso dessa resposta pela sociedade brasileira. Por isso, a sociedade civil considera insatisfatório o processo de informação, consulta e participação social. O diálogo propagado pelo governo foi limitado e, ademais, conselhos de participação e controle social existentes não foram envolvidos no processo. Em Genebra, a missão diplomática apenas cumpriu formalidades.
Por tudo isso, a sociedade civil brasileira que acompanhou o processo do RPU sai deste momento com uma certeza: somente fazendo respeitar os mecanismos democráticos é que o governo poderá engajar-se efetivamente na agenda de promoção e proteção dos direitos humanos. Até lá o Brasil segue sendo um país extremamente desigual, violento e que discrimina e marginaliza amplos segmentos que conformam a sociedade.
Não aceitamos que os mais pobres paguem as contas dos custos do ajuste estrutural. Não aceitamos retrocessos em direitos humanos. Nenhum direito a menos. Todos os direitos para todas as pessoas. Demarcações já. Mais direitos, mais democracia.
Genebra, 22 de setembro de 2017.