M.Officer é condenada por trabalho escravo e pode ser proibida de vender em SP 10/11/2017 - 16:40

A M5 Indústria e Comércio, dona da marca M.Officer, voltou a ser condenada ontem (7) por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravidão. A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2014 e teve ontem sentença confirmada em segunda instância pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-2), mantendo a condenação de primeira instância.

A grife terá de pagar R$ 4 milhões de indenização por danos morais coletivos e mais R$ 2 milhões por dumping social (quando uma empresa se beneficia dos custos baixos resultantes da precarização do trabalho para praticar a concorrência desleal). Além disso, terá de cumprir uma série de obrigações trabalhistas. As informações são do site do MPT.

O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, procurador Muniz Cavalcanti, destacou que a decisão confirma que a M.Officer foi a responsável pelo trabalho escravo. "Com essa decisão, vamos oficiar ao governo de São Paulo para aplicar a lei estadual, que determina a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes de ICMS pelo prazo de 10 anos de quem foi condenado por trabalho escravo em segunda instância."

Combate ameaçado

Os flagrantes de trabalho escravo em prestadoras de serviço para grandes marcas, que têm em comum também se situar em mercados para classe média alta e os altos preços praticados, haviam se intensificado nos últimos anos, em função do grande número de agentes públicos e atores sociais e empresariais. 

O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, criado em 2005, teve como objetivo o envolvimento de toda a cadeia produtiva, do pequeno consumidor aos grandes fornecedores e fabricantes, passando pela restrição ao crédito em instituições financeiras. As recentes investidas do governo Temer na política de combate ao trabalho escravo, como a Portaria 1.129, que abranda o conceito de trabalho escravo, podem comprometer seriamente estão, segundo técnicos do próprio Ministério do Trabalho.

A lei é a 14.946/2013, que prevê que será cassada a inscrição no cadastro de ICMS das empresas que vendem produtos em “cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo”. Regulamentada pelo Decreto nº 59.170/2013, a cassação ocorrerá quando a empresa for condenada em decisão colegiada, independente da instância ou do tribunal. A cassação abrangerá os sócios, pessoas físicas ou jurídicas, que ficam impedidos de entrar com pedido de nova inscrição por 10 anos.

Atual responsável pelo caso no MPT em São Paulo, o procurador Rodrigo Castilho ressalta que o acórdão traz dois pontos importantes. O primeiro é reconhecer que a M.Officer é responsável pelo trabalho escravo na cadeia produtiva. “A empresa se valia de oficinas clandestinas com trabalhadores brasileiros e estrangeiros utilizando dessa prática.” O segundo foi reconhecer o trabalho em condições análogas à de escravidão. “Em um momento em que o combate ao trabalho escravo é atacado com tentativas de mudar a fiscalização e a punição, o acórdão fortalece a luta para coibir a essa prática", explicou o procurador.

Para o desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, do TRT-2, a atividade desenvolvida pelos trabalhadores nas empresas contratadas pela marca era a própria finalidade da M.Officer. “O labor desenvolvimento pelos trabalhadores era essencial na cadeia produtiva da ré. De modo que sem ele não se poderia comercializar o produto específico. Não se trata, portanto, de simples ingerência na qualidade e no controle de produção da prestadora de serviços, nos moldes do contrato de facção, e sim, de modalidade inaceitável de terceirização”, assinala em seu acórdão.

A 4ª Turma do TRT manteve a sentença da juíza do Trabalho Adriana Prado Lima, da 54ª Vara de Trabalho de São Paulo. Além do pagamento de R$ 6 milhões, determinou que a empresa cumpra obrigações como garantir ambiente de trabalho seguro e saudável, condições dignas de alojamento e acesso a direitos trabalhistas como piso salarial e registro em carteira de trabalho, respeito a jornada, não permitir exploração do trabalho de crianças e adolescentes, retenção de documentos nem trabalhos forçados e não se aproveitar da vulnerabilidade social e econômica dos trabalhadores para reduzir custos com mão de obra, entre outras.

Histórico

A ação foi movida em 2014 pelos procuradores do Trabalho Christiane Vieira Nogueira, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Tiago Cavalcanti Muniz, que argumentaram que peças da M. Officer eram produzidas por trabalhadores que realizavam jornadas exaustivas em ambiente degradante (com risco à saúde, à segurança e à vida), além de relacionarem o caso ao tráfico de pessoas. Para os procuradores, esse tipo de exploração é um "modelo consagrado de produção da ré, como forma de diminuição de custos, através da exploração dos trabalhadores em condições de vulnerabilidade econômica e social".

Segundo o MPT, a M5 utilizava empresas intermediárias para subcontratar o serviço de costura, realizado em grande parte por imigrantes em oficinas clandestinas submetidos a jornadas excessivas em condições precárias, sem qualquer direito trabalhista.

Em um desses locais, descoberto em diligência conduzida em 6 de maio de 2014 pelo Ministério do Trabalho, em atuação conjunta com MPT, Defensoria Pública da União (DPU) e Receita Federal, constatou-se que os trabalhadores ganhavam de R$ 3 a R$ 6 por peça produzida e cumpriam jornadas médias de 14 horas (bem mais do que o limite legal de 8 horas). Os seis bolivianos resgatados pouco falavam português e viviam com suas famílias no mesmo local de trabalho, costurando em máquinas próximas a fiação exposta, botijões de gás e pilhas de roupas (representando grave risco de incêndio). Alguns afirmaram ainda estar pagando pela passagem ao Brasil com o "salário" recebido pelas peças costuradas, o que, segundo o MPT, poderia ser indício de tráfico de pessoas para fins de trabalho.

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