Artigo - Cura gay é interpretação rasa e infundada do que é Psicologia 27/09/2017 - 13:29
Por: Jéssica Mendes, psicóloga da Defensoria Pública do Estado do Paraná
A decisão liminar do juiz Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília, afronta a Psicologia e todas as instituições que se dedicam diariamente à promoção dos direitos humanos. Além disso, revela uma batalha árdua, antiga e que tem custado muito caro à Ciência há muito tempo. Diz respeito à apropriação do status científico como ferramenta de segregação social. O episódio em questão retrata, de forma pragmática, o quanto a ciência psicológica tem sido subvertida para fins que não são, nunca foram e nem sequer se aproximam, daquilo que erroneamente foi chamado de conhecimento científico pelo magistrado em questão.
É objetivo último da Psicologia - e obrigação ética inerente ao exercício da profissão - amenizar o sofrimento humano. Logo, é dever da Psicologia intervir na origem desse sofrimento ao se propor tratá-lo. Portanto, deve reconhecer que o que está na raiz do sofrimento são os “hematomas” e “cicatrizes” causados pelas relações nocivas vivenciadas pelos sujeitos ao longo da vida.
Quanto à orientação sexual, destacamos que esta perpassa por um aspecto de construção biopsicossocial do sujeito. Sendo assim, toda e qualquer orientação sexual representa uma expressão da sexualidade humana, e não um problema de saúde. Nesse sentido, defender métodos que (supostamente) conduzirão à (re)orientação sexual de qualquer indivíduo é ignorar que o sofrimento que ensejou a busca por ajuda profissional decorre, justamente, da ideia de inadequação e patologia, radicalizada pelo senso comum no preconceito. Aliás, empregar o termo (re)orientação é prova cabal da insciência sobre a constituição dos sujeitos e, principalmente, da sexualidade humana.
A "cura" gay surge como retaliação às formas específicas de ser e estar no mundo e demonstra uma interpretação rasa e infundada do que é Psicologia. Mais que isso, ao se direcionar, apenas, às pessoas homossexuais e bissexuais, tal “proposta” deixa evidente que seu discurso não passa de uma estratégia sádica, travestida de “liberdade científica” e impregnada pela intolerância e desrespeito característicos do heterossexismo social, cuja “cientificidade” pode ser quantificada: somos o país que mais mata LGBTT's no mundo (1 a cada 25 horas).
Não estamos falando do sofrimento espontaneamente trazido pelo paciente que busca atendimento psicológico. Afinal, a Resolução CFP 001/1999 prevê a obrigação da Psicologia em “contribuir com conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade”. Estamos falando de um sofrimento forjado, manipulado para legitimar práticas arbitrárias de repressão e normatização. Práticas que visam o convencimento de pessoas em conflito (com suas famílias ou sua religião, por exemplo), de que readequar-se é necessário e possível.
Assim, em vez de instrumentalizar a pessoa que sofre, tal proposta mune aqueles que sustentam o sofrimento. Psicólogos que, em tese, foram qualificados para exercer – com empatia – a profissão; que têm como objeto de estudo a subjetividade, ou seja, a expressão mais íntima e plural da humanidade, subvertem o papel da ciência psicológica e se tornam mensageiros de ódio. Tentam transformar a ciência psicológica em um novo tribunal: pretendem aplicar suas pseudo-leis científicas aos seus “jurisdicionados”, que de pacientes se tornam vítimas. Uma Psicologia que retroalimenta o mesmo sofrimento que alega curar.
Por outro lado, o cenário jurídico, que se assenta na premissa “da plena realização da dignidade da pessoa humana”, contraditoriamente, revela, além de imperícia, a sua insensibilidade e indisposição em transcender a objetividade da lei ao perverter o sentido da resolução e da própria ciência. A decisão liminar atravessa o Conselho Federal de Psicologia e não só autoriza a desumanização de sujeitos que inevitavelmente passarão a ser tratados como doentes, como compromete todo o processo de empoderamento de uma classe profissional e de uma população ainda vulnerável.
Mais que isso: impõe obstáculos severos e um grave problema ético-político à luta LGBTT. Denuncia o aviltamento da Psicologia pelo Poder Judiciário, superada neste contexto por “psicologismos” que foram ratificados pela norma jurídica e, sob o pretexto de liberdade, depreciam a ciência e colocam em risco a saúde psíquica de milhares de pessoas.
“Quanto à orientação sexual, destacamos que esta perpassa por um aspecto de construção biopsicossocial do sujeito. Sendo assim, toda e qualquer orientação sexual representa uma expressão da sexualidade humana, e não um problema de saúde.”
Enquanto órgão comprometido com a garantia dos direitos humanos, o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Estado do Paraná assume, ao lado do Conselho Federal de Psicologia, sua indignação frente à decisão que enfraquece a resolução 001/1999. Como parte do Sistema de Justiça, a Defensoria Pública reconhece que favorecer o fortalecimento da Psicologia é promover um importante instrumento de garantia da Justiça.
Testemunhamos um retrocesso sem precedentes. Nos cabe agora somar forças junto ao CFP e a todos os profissionais que defendem a consolidação de uma Psicologia que liberte e não que aprisione. Nossa luta diária será marcada pelo combate incansável a todas as formas de estigma e exclusão. Deverá ser também de busca pelo reconhecimento da autonomia da ciência psicológica.
Resta esperança, afinal, trata-se de uma decisão liminar. Lutaremos para que a situação seja revertida e que os danos colaterais sejam os mínimos possíveis.
De todo modo, que essa página lamentável para a Ciência e a Justiça brasileiras sirva para provocar reflexões, despertar amor e produzir empatia, e nos redirecione para uma atuação mais humana, no Direito e na Psicologia.
É objetivo último da Psicologia - e obrigação ética inerente ao exercício da profissão - amenizar o sofrimento humano. Logo, é dever da Psicologia intervir na origem desse sofrimento ao se propor tratá-lo. Portanto, deve reconhecer que o que está na raiz do sofrimento são os “hematomas” e “cicatrizes” causados pelas relações nocivas vivenciadas pelos sujeitos ao longo da vida.
Quanto à orientação sexual, destacamos que esta perpassa por um aspecto de construção biopsicossocial do sujeito. Sendo assim, toda e qualquer orientação sexual representa uma expressão da sexualidade humana, e não um problema de saúde. Nesse sentido, defender métodos que (supostamente) conduzirão à (re)orientação sexual de qualquer indivíduo é ignorar que o sofrimento que ensejou a busca por ajuda profissional decorre, justamente, da ideia de inadequação e patologia, radicalizada pelo senso comum no preconceito. Aliás, empregar o termo (re)orientação é prova cabal da insciência sobre a constituição dos sujeitos e, principalmente, da sexualidade humana.
A "cura" gay surge como retaliação às formas específicas de ser e estar no mundo e demonstra uma interpretação rasa e infundada do que é Psicologia. Mais que isso, ao se direcionar, apenas, às pessoas homossexuais e bissexuais, tal “proposta” deixa evidente que seu discurso não passa de uma estratégia sádica, travestida de “liberdade científica” e impregnada pela intolerância e desrespeito característicos do heterossexismo social, cuja “cientificidade” pode ser quantificada: somos o país que mais mata LGBTT's no mundo (1 a cada 25 horas).
Não estamos falando do sofrimento espontaneamente trazido pelo paciente que busca atendimento psicológico. Afinal, a Resolução CFP 001/1999 prevê a obrigação da Psicologia em “contribuir com conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade”. Estamos falando de um sofrimento forjado, manipulado para legitimar práticas arbitrárias de repressão e normatização. Práticas que visam o convencimento de pessoas em conflito (com suas famílias ou sua religião, por exemplo), de que readequar-se é necessário e possível.
Assim, em vez de instrumentalizar a pessoa que sofre, tal proposta mune aqueles que sustentam o sofrimento. Psicólogos que, em tese, foram qualificados para exercer – com empatia – a profissão; que têm como objeto de estudo a subjetividade, ou seja, a expressão mais íntima e plural da humanidade, subvertem o papel da ciência psicológica e se tornam mensageiros de ódio. Tentam transformar a ciência psicológica em um novo tribunal: pretendem aplicar suas pseudo-leis científicas aos seus “jurisdicionados”, que de pacientes se tornam vítimas. Uma Psicologia que retroalimenta o mesmo sofrimento que alega curar.
Por outro lado, o cenário jurídico, que se assenta na premissa “da plena realização da dignidade da pessoa humana”, contraditoriamente, revela, além de imperícia, a sua insensibilidade e indisposição em transcender a objetividade da lei ao perverter o sentido da resolução e da própria ciência. A decisão liminar atravessa o Conselho Federal de Psicologia e não só autoriza a desumanização de sujeitos que inevitavelmente passarão a ser tratados como doentes, como compromete todo o processo de empoderamento de uma classe profissional e de uma população ainda vulnerável.
Mais que isso: impõe obstáculos severos e um grave problema ético-político à luta LGBTT. Denuncia o aviltamento da Psicologia pelo Poder Judiciário, superada neste contexto por “psicologismos” que foram ratificados pela norma jurídica e, sob o pretexto de liberdade, depreciam a ciência e colocam em risco a saúde psíquica de milhares de pessoas.
“Quanto à orientação sexual, destacamos que esta perpassa por um aspecto de construção biopsicossocial do sujeito. Sendo assim, toda e qualquer orientação sexual representa uma expressão da sexualidade humana, e não um problema de saúde.”
Enquanto órgão comprometido com a garantia dos direitos humanos, o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Estado do Paraná assume, ao lado do Conselho Federal de Psicologia, sua indignação frente à decisão que enfraquece a resolução 001/1999. Como parte do Sistema de Justiça, a Defensoria Pública reconhece que favorecer o fortalecimento da Psicologia é promover um importante instrumento de garantia da Justiça.
Testemunhamos um retrocesso sem precedentes. Nos cabe agora somar forças junto ao CFP e a todos os profissionais que defendem a consolidação de uma Psicologia que liberte e não que aprisione. Nossa luta diária será marcada pelo combate incansável a todas as formas de estigma e exclusão. Deverá ser também de busca pelo reconhecimento da autonomia da ciência psicológica.
Resta esperança, afinal, trata-se de uma decisão liminar. Lutaremos para que a situação seja revertida e que os danos colaterais sejam os mínimos possíveis.
De todo modo, que essa página lamentável para a Ciência e a Justiça brasileiras sirva para provocar reflexões, despertar amor e produzir empatia, e nos redirecione para uma atuação mais humana, no Direito e na Psicologia.
Fonte: http://www.defensoriapublica.pr.def.br